sábado, 1 de setembro de 2018

Estudo causou polêmica ao afirmar que qualquer dose de álcool é um risco à saúde. Mas qual o tamanho desse risco?



Na semana passada, a revista científica "Lancet" publicou um estudo que afirmava ser o definitivo sobre os benefícios e os perigos da ingestão de bebidas acoólicas. As notícias não eram boas, e a mídia fez manchetes como "Não há quantidade segura de álcool".

A verdade e menos midiática.

É importante notar que o estudo, como a maior parte dos estudos sobre álcool, não era algo novo. Era uma meta-análise, uma reunião de dados, de outros estudos observacionais. Era provavelmente a maior meta-análise já feita para estimar os riscos relacionados de 23 problemas de saúde relacionados ao álcool.
Os pesquisadores também combinaram 700 fontes para estimar com precisão os níveis de consumo de álcool no mundo. Eles então combinaram todos esses dados em modelos matemáticos para prever o dano causado pelo álcool em todo o mundo.
Descobriu-se que, em geral, os danos aumentam com cada drinque adicional e são menores quando não há consumo de álcool.
Mas existem limitações que devem ser consideradas. Dados observacionais podem ser confundidos, e fatores que não foram medidos podem ser a causa dos danos à saúde. Talvez as pessoas que bebem também fumem. Talvez elas também sejam mais pobres. Talvez existam diferenças genéticas, de saúde ou outros fatores, que sejam a causa real dos problemas. Há técnicas para analisar dados observacionais de maneira mais causal, mas nenhum deles pode ser usado aqui.
Mas dados observacionais, como os usados no estudo sobre álcool, têm mais relevância estatística do que clínica. Em outras palavras, pequenas diferenças são reais, mas isso não significa que elas sejam críticas.
O estudo afirma que mesmo um drinque representa risco. Mas qual o tamanho desse risco?
Para cada 100 mil pessoas que bebem um drinque por dia ao longo de um ano, 918 podem desenvolver, em qualquer ano de suas vidas, um dos 23 problemas de saúde associados ao álcool. Já entre as pessoas que não consomem álcool, 914 podem ter algum problema de saúde. Isso quer dizer que a cada 100 mil pessoas 99.082 não serão afetadas e 914 terão problemas de saúde de qualquer maneira. Apenas quatro no grupo de 100 mil que consomem um drinque por dia desenvolverão algum problema de saúde por conta da bebida.
Com dois drinques por dia, o número de pessoas com problemas de saúde sobe para 977. Mesmo com cinco drinques por dia, o que a maioria concorda ser demais, a maior parte das pessoas continuaria sem ser afetada.
Não estou defendendo que os riscos devem ser ignorados. Eles são reais, mas são muito menores do que outros riscos em nossas vidas.
Esse foi um estudo mundial, mas seus resultados estão sendo interpretados em nível individual. Os 23 problemas de saúde relacionados ao álcool foram fundidos, mas nem todo mundo os experimenta da mesma maneira.
Os riscos de desenvolver diabetes ou doenças cardíacas, por exemplo, diminuem quando se bebe pouco ou moderadamente. Os autores defendem que esse resultado é ultrapassado pelo risco de doenças como o câncer ou a tuberculose, que aumentam.
Acidentes de trânsito causados pelo consumo de álcool são claramente piores em alguns lugares do que em outros. O estudo tinha dados apenas para os Estados Unidos.
Uma coisa é clara, e o estudo confirma isso: beber demais é realmente um risco à saúde.
O consumo médio de bebidas por dia é de 1.9 para mulheres e 3.2 para homens, de acordo com o estudo. Isso está acima das recomendações do governo americano, mas provavelmente está distorcido por aqueles que bebem além da conta, um parte pequena entre todas as pessoas que bebem.
É claro que algumas pessoas bebem demais sem saber. O estudo publicado pela "Lancet" definiu um drinque como 10 gramas de álcool puro, o que equivale a um copo de shot com 40% de teor alcoólico.
O consumo moderado de álcool está associado ao aumento de fatores de risco para a saúde, o que o estudo confirma, mas isso não é o mesmo que recomendar às pessoas que bebam.
Não temos que nos abster de alguma coisa só porque ela não é saudável em grandes quantidades. Um gráfico no estudo mostra risco crescente de zero a 15 drinques.
Considere que 15 sobremesas por dia seria ruim para você. Tenho certeza que posso criar um gráfico mostrando risco crescente para muitas doenças caso se consuma de 0 a 15 sobremesas. Isso pode levar a afirmações como "não existe uma quantidade segura de sobremesa". Mas não quer dizer que você não deva comer sobremesa nunca mais.
Comida não é remédio. O álcool também não. O alcoolismo é terrível. Há um equilíbrio, e poderíamos passar a vida discutindo qual o limite de cada um. A verdade é que não sabemos. Se esse tipo de estudo pretende levar a políticas, temos que usá-los como tal, argumentar que queremos que as pessoas estejam cientes do consumo em excesso.
Muitas pessoas interpretam esses estudos de maneira individual, com resultados que geram pânico. Outro estudo do tipo não dirá nada novo.
* do New York Times

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